Discutindo enquadramento e temporalidade da notícia nos Novos Jornais Populares
Desde o início deste ano, venho desenvolvendo com a professora Cristina Rego Monteiro na Escola de Comunicação da UFRJ uma pesquisa sobre o fenômeno dos novos jornais populares. Bem, o que são estes novos jornais populares?
No dia a dia das grandes capitais, é muito comum se ver diversos tablóides sensacionalistas, com capas cheias de trocadilhos. Aqui no Rio, os dois principais jornais desta linha são o Meia Hora e o Expresso. Quem nunca os leu nem que fosse para rir de manchetes engraçadas (e até mesmo preconceituosas!), como “Virou purpurina”, na ocasião da morte do Clodovil.
No entanto, minha pesquisa segue exatamente pelo caminho contrário. Dentro destes jornais, encontramos algumas editorias diárias em que o conteúdo é de muita qualidade e muito prestativo para o leitor. Além disso, as reportagens, de uma maneira geral, não possuem os trocadilhos da capa e seguem uma linguagem simples, porém bastante formal.
Tudo bem, você deve estar se perguntando: “o que é que eu tenho a ver com isso?”. Realmente, até agora, nada! Mas o objetivo deste post de hoje é relacionar esta pesquisa à minha prova de antropologia e comunicação na faculdade. Nesta prova, tenho uma série de conceitos aprendidos durante o período e tenho que os relacionar de uma maneira criativa (ou não!). A minha maneira criativa, como você, caro leitor, já deve ter percebido, é uma postagem de blog. Afinal, há muito tempo não escrevo por aqui e esta foi uma oportunidade de voltar!
A minha relação será do enquadramento, com a questão da temporalidade da notícia em novos jornais populares, publicados em metrópoles, como o Rio de Janeiro. Como assim?
Primeiramente, é importante entendermos o que é enquadramento. Segundo Quéré (1992) e Scheufele (2006), os enquadramentos podem ser entendidos como “recursos simbólicos que asseguram aos atores a atribuição de inteligibilidade e pertinência ao seu mundo social”. Ou segundo Goffman (1974), eles podem ser vistos como “esquemas interpretativos socialmente construídos que nos permitem reconhecer e situarmo-nos frente a eventos e situações”. Em palavras mais simples, o enquadramento é um conjunto de elementos que faz com que nós consigamos identificar na notícia (que lemos, escutamos ou assistimos) situações relativas ao nosso mundo, ao nosso cotidiano. Assim, vemos nela um retrato da nossa realidade.
Mais do que isso, as notícias, de uma maneira geral, perdem sua validade logo. No dia seguinte, uma mudança corriqueira de acontecimentos faz com que a reportagem do dia anterior se torne “velha”. Desta forma, a mídia nos dá a impressão de que tudo é corriqueiro, efêmero, rápido, o que é hoje, não será mais amanhã, principalmente em tempos de internet, quando as notícias se tornam ultrapassadas em questão de horas.
Ok, compreendido. Mas, e daí? O meu querido leitor deve estar se perguntando o que isso tem a ver com as editorias de qualidade do Meia Hora e do Expresso. Bastante coisa, posso garantir!.De acordo com a minha pesquisa, o surgimento destes novos jornais populares se deve e muito ao avanço da internet e a essa temporalidade exacerbada da notícia.
As grandes empresas de comunicação, ao perderem muitos de seus leitores de jornais impressos para a internet, tiveram que seguir por novos negócios, de modo a atingir um novo público. Uma possibilidade foi a criação de um novo produto para as classes C e D, carente de informação de qualidade e ainda sem o hábito de se informar pela internet. Deu certo! O Meia Hora, por exemplo, possui cerca de 567 mil leitores diários. Através destes novos jornais populares, as empresas conseguiram atingir um novo público, dando uma sobrevida aos jornais de papel.
Para atingir este novo público, enquadramentos tradicionais foram utilizados. Não é preciso pensar muito, para entendermos que na realidade de um cidadão de classe C e D, as notícias policiais lhe são mais próximas do que em relação a um cidadão comum de classe AB. Nada, então, mais tradicional do que explorar esta veia jornalística e exagerar dos casos policiais dentro deste tipo de jornal.
E assim se construiu um estereótipo. Mas não é bem por aí, que eles funcionam. O Meia Hora, principalmente, apresenta editorias diárias de saúde, tecnologia e empregos. Com textos muito elaborados, estas seções funcionam como fontes significativas de conhecimento para o leitor. E a presença destas seções, contraria, ao mesmo tempo que amplia, o enquadramento tradicional. Ahn? Isso mesmo, a presença destas editorias vai no sentido contrário do tradicional enquadramento de notícias policiais para populações de baixa renda, ao mesmo tempo que abre um novo caminho para um jornalismo de prestação de serviços e que contribui para o conhecimento intelectual e informacional do leitor. Os critérios de noticiabilidade fogem do clichê e mostram que o cidadão mais pobre também quer e deve ter acesso a conteúdos didáticos.
Além disso, com a temporalidade da notícia cada vez mais relevante, isto é, com as notícias cada vez mais instantâneas e com prazo de validade curto, estas editorias demonstram que o jornalismo existe além do factual, através da produção de um conteúdo didático, que contribui para a formação e para a busca de oportunidades pelo leitor, em grandes metrópoles, como o Rio de Janeiro. Desta forma, as informações ali contidas não ficam “presas” ao hoje. Elas são adquiridas pelo leitor em forma de conhecimento e/ou de oportunidade.
Assim, acredito que os novos jornais populares podem, de uma maneira pouco tradicional e conhecida, romper em determinados momentos com a soberania do enquadramento tradicional e do tempo como regente da informação de boa qualidade.
Com a felicidade de estar de volta ao (In)utilidades On, meu artigo fica por aqui! A você que teve paciência de chegar até aqui (ou não também), um forte abraço!
Pedro de Figueiredo (pedfigueiredo@hotmail.com)
P.S.: Caso queira saber um pouco mais sobre o meu trabalho, confira o primeiro artigo sobre ele no seguinte link: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2010/resumos/R19-0183-1.pdf