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sábado, 6 de junho de 2009

Duas Opiniões - Cotas

Caros amigos, estamos lançando hoje o "Duas opiniões". A partir de agora, eventualmente, o blog mostrará duas opiniões divergentes sobre o mesmo assunto - uma nossa e uma de um colunista convidado - para que você forme a sua opinião. Para começar, falaremos da polêmica das cotas, que recentemente foram suspensas na UERJ por uma ação judicial. Para começar, a opinião do nosso convidado e autor do blog Surfing With the Alien (http://marcanth.blogspot.com/), Luis Marcanth. Ainda esta semana a nossa opinião. Boa leitura!





Uma brincadeira de mau-gosto

Luis Eduardo Marcanth

Toda criança já brincou de pique. Fosse pique-pega, pique-alto, pique-esconde, pique-cola-americano, pique qualquer coisa, todo mundo já brincou de pique. E todo mundo já foi, pelo menos uma vez na vida, o “café-com-leite” da brincadeira. Quando o sujeito é muito novo, acha o máximo essa história de ser “café-com-leite”, de não poder perder – ele se sente, de alguma forma, privilegiadamente invencível em relação aos demais. Mas, quando se atinge um certo grau de maturidade, que não ultrapassa o equivalente aos 6 anos de idade, ele começa a perceber que na verdade esse papo de “café-com-leite” não tem muita graça. Enquanto todo mundo aproveita a adrenalina do risco de ser pego, enquanto todo mundo realmente participa da brincadeira, o “café-com-leite” percebe que, na verdade, ele não é onipotente, nem privilegiado, ele simplesmente não está na brincadeira. O fato de não estar na brincadeira o incomoda, e ele começa a desejar não ser mais o “café-com-leite”. Durante algum tempo, os outros vão querer classificá-lo, novamente, como o “café-com-leite” antes de brincar – nada mais natural, já que nas últimas vezes ele sempre era. Mas isso não mais o agrada como antes – na verdade, o incomoda. O que anteriormente soava como um decreto de invencibilidade passou a soar como um decreto de incompetência, afinal, ele quer brincar em condições iguais às dos outros, senão, qual é o objetivo de participar?


O atual sistema de cotas, já adotado pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro, e a ser possivelmente implantado nas universidades federais de todo o Brasil, em resumo, não difere muito da situação do “café-com-leite”. Esse sistema, criado pelo governo, garante, anualmente, 45% das vagas disponíveis nessas universidades a cidadãos brasileiros oriundos da raça negra, da comunidade indígena, alunos egressos de escolas públicas, filhos de policiais e filhos de bombeiros. Os candidatos que se adequarem ao perfil de pelo menos uma dessas categorias passam a disputar o vestibular somente entre si, configurando quase um concurso paralelo. O sistema de cotas foi criado com o intuito de “inclusão social”, visando a garantir a “democracia nas oportunidades e no acesso à universidade” e a “diversidade étnica e sócio-econômica” entre os futuros graduandos, uma vez que apenas os alunos vindos de “melhores condições” passavam no vestibular. Basicamente, criou-se uma categoria no vestibular para aqueles com “piores condições”, aqueles que, a princípio, não são capazes de competir em pé de igualdade com os demais concorrentes. O governo criou a lei do “café-com-leite” para o vestibular.


Primeiramente, eu gostaria que me dessem uma explicação razoável para se julgar que um negro tem menos capacidade de enfrentar o vestibular do que um aluno branco, amarelo, mestiço, albino, azul, verde ou laranja. Eu desafio. Só uma, mais nada. Eu simplesmente não consigo entender por que ainda se fala, no mundo de hoje, do conceito de raça baseado na cor da pele – ou pior – do conceito de superioridade de certas raças em relação às outras. Até porque, historicamente, todos os regimes que se baseavam no preconceito racial ou étnico terminaram mal, e acabaram sendo condenados e proibidos pelo mundo inteiro. O homem pertence a uma raça só – a raça humana. Até onde eu sei, nenhum estudo feito até hoje comprovou uma relação entre o nível de melanina da pele de um indivíduo e a capacidade de processamento do seu cérebro. Na verdade, eu nem precisava dizer isso. O conceito de raça é totalmente arcaico, ultrapassado e sem fundamentos. No entanto, a Lei Estadual 5.346 do ano de 2008 assume que os negros são intelectualmente incapazes de passar no vestibular em condições normais. É um retrocesso ideológico que ultrapassa os limites do aceitável.O sistema de cotas vigora desde 2002, e só agora, no ano de 2009, que uma autoridade conseguiu chamar a atenção da mídia em torno do absurdo das cotas, ao defender e obter aprovação de uma liminar que proíbe esse sistema. O deputado Flávio Bolsonaro, sob a alegação de que a lei em questão “é discriminatória e não atinge os objetivos previstos”, fez com que a Justiça suspendesse a lei 5.346. Segundo ele, há casos de alunos de pele escura da UERJ que quando, por exemplo, erram uma questão dada pelo professor, são taxados de cotistas, de terem inteligência limitada, mesmo não sendo realmente cotistas. Ele também alega que os cotistas que se formam encontram dificuldades no mercado de trabalho, porque são tidos como menos capazes. A alguém isso parece o resultado de uma “maior inclusão social”? Ou de uma maior “democratização de oportunidades”?O governador Sérgio Cabral manifestou-se, com a seguinte declaração: “É um equívoco achar que a lei de cotas é racista. Racista é acabar com a lei de cotas. Racista é não reconhecer que alunos da rede pública e afrodescendentes têm direito de disputar uma vaga pelo mérito”. Nem preciso dizer o quão imbecil e contraditória é essa afirmação. Repare: ele disse que racismo mesmo é não reconhecer que os negros têm o direito de disputar um vestibular diferenciado – o vestibular diferenciado para negros é claramente uma forma de discriminação ao grupo dos negros, o que caracteriza racismo! Em outras palavras, Cabral disse que racista mesmo é não reconhecer o racismo – conclui-se, por analogia, o que não é racista é reconhecer o racismo. Por favor – isso faz algum sentido? O governador deve estar achando que só porque ele disse “afrodescendentes” ao invés de “negros” ele não é racista. E mais: não é que eu ou alguém ache que a lei de cotas é racista. A lei de cotas é racista. Ponto.


O governo diz que os alunos egressos de escolas públicas também não têm condições intelectuais de, sem as cotas, competir com os alunos de outras escolas. Ora, se sem as cotas eles não são capazes de competir com todo o resto, isso quer dizer que seu nível de conhecimento não é compatível com o dos outros, o que, por sua vez, acusa a má formação acadêmica do cotista, que, por acaso, foi aluno da rede pública de ensino. Todo mundo sabe que o ensino público não presta, e, pelo visto, o governo também. Se o governo não achasse que seu sistema público de ensino fundamental e médio é um nojo, ele não criaria as cotas. Entretanto, o reitor da UERJ, o professor Ricardo Vieiralves, declarou recentemente que “os alunos cotistas têm plenas condições de acompanhar o ensino e nada deixam a dever aos demais estudantes”. Agora sim, a lei das cotas faz menos sentido ainda. Se os alunos de rede pública são tão qualificados quanto os outros, qual o real motivo para dar-lhes o benefício das cotas? O sistema de cotas para esses alunos nada mais é do que uma solução porca, mal-remendada e financeiramente conveniente para um problema cuja real solução exige do governo um gasto imenso em educação – e a longo prazo – o que, evidentemente, não convém aos (bolsos dos) ministros.Aos que acham que o sistema de cotas é apenas uma medida provisória até que o ensino público seja totalmente renovado, eu insisto em lembrar: ninguém, em nenhum momento, garantiu que o sistema de cotas tinha prazo, ou que iria investir na educação até que este não fosse mais necessário. No Brasil, infelizmente, é assim – os políticos seguem a lei do menor esforço, eles só querem saber de oba-oba. Se uma solução tida inicialmente como provisória para algum problema funcionar de alguma maneira, os esforços voltados à solução definitiva desaparecem instantaneamente, e por completo. Imagine então como deve ser o processo para melhorar uma solução já tida como definitiva, como é o caso das cotas. Investir pesado na educação durante 20 anos pra levar o ensino público brasileiro a um patamar mais elevado é totalmente viável, mas dá muito trabalho – convenhamos, é muito mais fácil criar um sistema de cotas e sair falando por aí que é democracia (pra quem?) e que é projeto de inclusão social, que aí todo mundo acredita e acha o máximo essa preocupação que o governo tem com a sociedade carente. E o pior – se a UERJ vencer essa batalha na justiça e conseguir garantir a permanência das cotas, aposto como os políticos pró-cotas ainda vão se vangloriar por terem conseguido “garantir que os cotistas não fossem privados de seus direitos”. Ainda assim, depois de toda essa bagunça, eles ainda saem de bonzinhos na história.


E agora eu quero saber: o que o negro acha disso? O que o aluno da rede pública acha disso? Conheço muitos negros que se sentem insultados por serem tratados como menos capazes que os outros. Aposto também que muitos dos alunos de rede pública que têm que apelar para as cotas prefeririam competir de maneira honesta, de igual pra igual com todos os outros estudantes, e não essa palhaçada de ser o “café-com-leite” do vestibular. É claro que existem, também, os negros e egressos do ensino público que estão achando uma beleza esse esquema de cotas, mas é como eu disse anteriormente, ser “café-com-leite” só tem graça para alguns, mas com um pouquinho de maturidade se percebe que ser “café-com-leite”, na verdade, não tem graça alguma, que o que é bom mesmo é poder competir em pé de igualdade. O sistema de cotas é um desrespeito generalizado – é desrespeito ao cotista negro, porque parte do princípio que ele pode menos do que os outros; é desrespeito ao cotista egresso de escola pública, porque no lugar de lhe dar ensino de qualidade, fazem dele o “café-com-leite” do vestibular; e, finalmente, é um desrespeito a todos os não cotistas, desde os que obtiveram notas maiores que as dos cotistas e, no entanto, foram reprovados, até aqueles que obtiveram notas iguais às dos cotistas aprovados, mas que também foram reprovados por não terem recebido qualquer tipo de vantagem similar. Eu não consigo concordar com um sistema desses – muito menos entender quem concorda. As contradições são nítidas, e os resultados, catastróficos – só não os enxerga aquele que realmente não quer ver.Certa vez, andando em Florianópolis, vi um cartaz da prefeitura local que dizia “Quem dá esmola não dá futuro” – o caso das cotas é justamente esse: o governo dá a esmola, mas não dá o futuro.


Abaixo alguns links sobre o assunto:
http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1168589-5604,00-DEPUTADO+AUTOR+DE+ACAO+QUE+SUSPENDEU+COTAS+DIZ+QUE+LEI+PODE+AUMENTAR+RACISM.html
http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1171292-5606,00.html
http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1168777-5604,00-JUSTICA+AVALIOU+ASPECTO+FORMAL+E+NAO+O+MERITO+DAS+COTAS+DIZ+HADDAD.html







Amanhã, a nossa opinião sobre o assunto.

Um abraço,
Paulo Aragão (pauloaragaomelo@gmail.com)
Pedro de Figueiredo (pedfigueiredo@hotmail.com)

Equipe (In)utilidades On (inutilidadesonline@gmail.com)

6 comentários:

Carol Romão disse...

Nossa, texto muito bem escrito!
Apesar de enorme, foi muito facil ler, envolveu!

Concordo com o autor no que diz respeito à ação discriminatória das cotas. Sendo tidas como defintivas, elas não levarão a lugar algum!
Elas deviasm ser adotadas como provisórias, mas, como ele disse, em nosso país há esse problema de compromisso dos políticos!
Não podemos contar com eles. Algo surreal, diga-se de passagem, uma vez que eles estão onde estão para nos garantir o bem estar e tudo mais.
Da forma que as cotas são aplicadas, sou orbigada a ser contra elas. Se um dia forem aplicadas dignamente, equanto houver um ação para mudança~da nossa educação, aí, sim, serei a favor,mas apenas daquelas direcionadas a alunos oriundos da rede pública. Porque negros têm toda a capacidade dos demais, não há necessidade de cotas raciais.

Beeeeijos! =)

Luis Marcanth disse...

Koeh Tortinho! Esse "amanhã" ta foda, hein... To esperando seu texto!! hahaha abs

[IN]utilidades ON disse...

hauhaahaahauhauahauahauahaua

Esse amanhã vai ser nsferido pra em breve hauahauahauahuaahaua

faculdade tá foda!!!

Abração, kra

Vinícius Lima disse...

Também conheço vários amigos considerados "negros" mas que estudam comigo, numa particular de tradição, portanto seriam "não-cotistas". Bom, diria que o sistema de cotas só existe porque o ensino público é RU-IM, por causa da omissão do governo no investimento em educação!

Marco.. disse...

Esse amanhã tá foda mesmo! uashsuauashusahu
tava esperando sair a opinião contrária pra poder comentar.

Não acho que cota para escolas públicas e muito menos para negros/mulatos/coloridos seja uma solução. Primeiro que a educação da rede pública deveria ser boa o suficiente para fazer com que todos os alunos competissem em pé de igualdade, e segundo que não é uma solução definitiva, se isso fosse adotado que fosse para amenizar a diferença entre os níveis das escolas públicas e particulares, e depois com o tempo e melhoria da educação isso acabasse. Não tornar efetivo o que não devia existir, e se tivesse que fosse provisório.

Nem sei se falei algo que tava no texto, porque li esse texto tem umas semanas! =p

abraços e aguardo a segunda parte que deve ser melhor ainda! =D

Luis Marcanth disse...

Caralho!!! 1 mes e 1 semana!! valeu tortinho

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